Autora: Daiane da Silva Gonzaga
Entendendo que vivemos em uma sociedade racista, em que as relações raciais produzem a inferiorização do conhecimento produzido por povos não brancos, este trabalho tem por objetivo discutir a problemática do domínio epistemológico curricular, regido por perspectivas e abordagens eurocentradas, e seus impactos no ambiente escolar. Para tal discussão utiliza-se o conceito de espistemicídio, desenvolvido por Sueli Carneiro (2005), que reflete como o racismo epistêmico impacta profundamente na construção e representação positiva da participação do negro no processo de formação do país. Visa-se assim, discutir a importância da Educação para as relações étnico-raciais no ambiente escolar, posto que se percebe uma persistência na negligência de práticas pedagógicas antirracistas, o que fomenta a negação do ser negro por muitos alunos. Nesse sentido, acredita-se que através de novas visões de mundo, como a perspectiva afrocentrada (Asante, 2009) é possível que o aluno se conheça e reconheça na história africana e afro-brasileira, admitindo-se assim como sujeito ativo, presente e participante da história do nosso país. Essas reflexões trazem possibilidades de empoderamento e afirmação identitária.
Palavras-chave: Epistemicídio. Perspectiva afrocentrada. Práticas pedagógicas
Introdução
Embora sejamos um país majoritariamente negro (IBGE, 2022)[1], o Brasil ainda vive uma profunda desigualdade racial. Os negros representam a maioria da população, mas são minoria nos espaços de poder e de riqueza. Essa desigualdade é resultado de um longo processo histórico de racismo e discriminação, que ainda não foi superado. A invisibilidade imposta ao povo negro acarretou tentativas de ocultamento, silenciamento, criação de estereótipos e estigmas, inferiorização de seu papel nas páginas da história e memórias desse país.
Carneiro (2005) trouxe uma discussão sobre a dominação epistemológica, que teve consequências profundas para os povos colonizados que tiveram seus saberes e culturas ignorados ou deslegitimados. O racismo epistêmico tem consequências significativas para a vida das pessoas negras, afetando o acesso a oportunidades educacionais e profissionais. Essa perspectiva eurocêntrica continua a ser dominante na sociedade contemporânea, o que contribui para a marginalização dos saberes negros. Esse fenômeno tem sido um instrumento operacional que tem contribuído fortemente para a consolidação das hierarquias raciais.
A hierarquização reverbera na educação, pois essa se apresenta reconhecidamente como instrumento mais efetivo e seguro de ascensão social no Brasil, para as classes subalternas. No entanto, o acesso à educação de qualidade é desigual, com as pessoas negras e indígenas tendo menos acesso do que as pessoas brancas. Ao longo do tempo, esse processo tem consolidado o embranquecimento do poder e da renda. Isso ocorre porque as pessoas brancas têm mais acesso à educação de qualidade, o que lhes permite ocupar posições de poder e de renda.
Podemos compreender esse cenário, por exemplo, através de dados publicados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2023, que escancara que a desigualdade racial persiste no cenário educacional do país. Enquanto a média de anos de estudo da população branca era de 10,8 anos em 2023, a média entre os negros era de 9,2 anos, uma diferença de 1,6 ano. Outro dado que demonstra essas diferenças é a taxa de analfabetismo: em 2023, a taxa de analfabetismo entre a população negra era de 7,1%, mais do que o dobro da taxa observada entre brancos, que era de 3,2%.
Essa situação pode ser percebida também em dados estatísticos que revelam as disparidades na remuneração entre brancos e pretos ou pardos. A renda média da população branca ocupada era de R$3.099,00 por mês em 2023, enquanto a média entre pretos ou pardos era de R$1.764,00. Isso significa que, para cada R$3,00 que um branco recebia, um preto ou pardo recebia apenas R$1,76. Percebe-se assim, que as desigualdades são gritantes o que reverbera na falta de equidade de oportunidades e na perpetuação da exclusão social de grande parte da população negra.
Além disso, a despolitização da problemática racial também é um resultado desse processo. A desigualdade racial é vista como um problema individual, e não como um problema estrutural. Isso impede que a questão racial seja discutida de forma aberta e crítica, o que dificulta a adoção de medidas para combater o racismo (Carneiro, 2005).
A polarização entre ser branco e ser negro, traz prejuízos e privilégios – aos brancos atribui-se a superioridade, e aos negros a inferioridade. Pela ontologia da diferença, pessoas negras e de outras etnias são classificadas no campo do “não ser”. Percebe-se assim, a validação dos discursos racistas legitimados por um sistema político centrado na supremacia branca, que fomenta as desigualdades sociais, naturalizando-as como se fossem inerentes à natureza humana. Sendo assim, a construção do outro como não ser, utiliza as diferenças para estabelecer padrões estéticos, políticos, econômicos, jurídicos e sociais (Carneiro, 2005).
No campo da educação, o domínio branco hegemônico[2], produz a supervalorização das narrativas de apenas um povo, e tenta apagar e silenciar os demais. Nesse contexto podemos traçar um paralelo com o discurso de Chimamanda Ngozi que diz: “A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única história” (Adichie, 2019, p.14). A história única tem consequências negativas, pois ela desumaniza as pessoas, dificultando o reconhecimento de sua humanidade compartilhada, ela enfatiza as diferenças, ignorando as semelhanças. Fazendo um paradoxo com esse pensamento, evidencia-se que as narrativas presentes nos espaços escolares ainda reproduzem essas histórias únicas, sob a égide do pensamento branco-hegemônico que busca promover o silenciamento em relação a pessoas africanas e afro-brasileiras.
O epistemicídio na educação escolar
Diante do exposto, percebemos que esses mecanismos dos discursos racistas atingem diversos campos sociais. Quando nos referimos à educação, podemos fazer uma associação a todo histórico de exclusão a que pessoas negras foram submetidas desde o processo de escravização até os dias atuais. Nem mesmo com a abolição da escravatura houve qualquer tipo de inserção de negros de forma digna na sociedade, o que reflete, inclusive no processo de escolarização no Brasil. Com o mito da democracia racial, o debate sobre o racismo sempre foi sufocado pelo discurso da harmonia entre raças, tornando a luta antirracista dificultosa (Gomes, 2010).
Somente a partir do final do século XX, que os movimentos sociais conseguiram ter avanços significativos na implementação de políticas públicas para pessoas negras. Essas lutas, articuladas pelo movimento negro, frutificaram em conquistas como: igualdade de direitos sociais a partir da Constituição de 1988, Lei de cotas nas universidades e concursos públicos, criminalização do racismo, criação de órgãos, o Estatuto da Igualdade Racial, a inclusão da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, valorizando a luta dos negros e suas contribuições para a formação do Brasil.
Contudo, a educação que temos no Brasil ainda reproduz os modelos europeus, pautados no processo de colonização, ao qual fomos submetidos. Logo, o que é associado ao não-branco, sobretudo às pessoas negras, é destituído de humanidade das pessoas e de seus conhecimentos, o que se associa ao conceito pautado no epistemicídio[3]. Sobre isso Kilomba (2019) afirma que:
Qualquer forma de saber que não se enquadre na ordem eurocêntrica de conhecimento tem sido continuamente rejeitada, sob o argumento de não constituir ciência credível. A ciência não é, nesse sentido, um simples estudo apolítico da verdade, mas a reprodução de relações raciais de poder que ditam o que deve ser considerado verdadeiro e em quem acreditar. Os temas, paradigmas e metodologias do academicismo tradicional – a chamada epistemologia – refletem não um espaço heterogêneo para a teorização, mas sim os interesses políticos específicos da sociedade branca (Kilomba, 2019, p. 53-54).
Por muito tempo foi reproduzido nas escolas, quando se falava em formação do território e população brasileira, que o nosso país foi formado por três povos: o branco, o negro e o indígena. O branco trouxe a civilização, o indígena resistiu e não se deixou escravizar e que o negro teria se acomodado na condição de escravizado. Assim, não havia representações positivas da participação do negro no processo de formação do país. Isso, fomentou a estruturação do racismo nas escolas, posto que ela reitera a condição de desumanização e subalternização a que os negros foram submetidos.
Embora haja avanços com as conquistas do movimento negro, como a implementação da Lei 10.639/2003[4], percebemos que a construção das práticas curriculares favorece a manutenção das desigualdades, pois os conteúdos escolares ainda são pautados em visões eurocentradas. Assim, alunos negros não se veem representados nas práticas pedagógicas curriculares, o que os distancia ainda mais da escola e dá margens para que o racismo siga impregnando os corredores escolares. Dessa maneira, os alunos são levados a entender que o espaço do negro e do branco na sociedade são diferentes, criando a ideia de hierarquização, que subalterniza negros e indígenas como afirma Carneiro (2005, p. 277): “Tal identidade negativa o impacta pela internalização da imagem negativa e o impele à profecia autorrealizadora que referenda a estigmatização, o conduz à autonegação ou ainda à adesão e à submissão aos valores da cultura dominante”.
Apesar da legislação vigente – como as Leis 10.639/2003 (Institui no currículo da educação básica, em instituições públicas e privadas, o ensino de história e cultura africana e afrobrasileira); 12.288/2010 (estabelece políticas de promoção da igualdade racial); 12.711/2012 (Lei de cotas) e 14.532/2023 (que equipara a injúria racial ao crime de racismo) – elas sozinhas não são capazes de mudar todo o contexto histórico de discriminação e racismo construído em nosso país. O conjunto de preconceitos direcionados à população negra está enraizados na sociedade brasileira, o que reflete nas diversas formas de violência sofridas por esses sujeitos. Para desconstruir esse mito de superioridade branca e inferioridade negra é necessária a participação de diversos agentes e instituições.
O dispositivo de racialização – o domínio das relações raciais, segundo Sueli Carneiro (2005) – busca silenciar e excluir jovens negros da escola. A priorização de conhecimentos eurocêntricos no currículo, cria tensões no processo de aprendizagem, pois silencia, inviabiliza e exclui a cultura dos alunos negros através da reprodução de práticas excludentes e homogeneizadoras de sujeitos e posturas. O ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, deve levar o estudante a perceber-se como sujeito ativo, presente e participante da história, e não como mero espectador de fatos passados.
Reflexões do cotidiano escolar com base em Sueli Carneiro
Diante dessas reflexões relaciono os apontamentos feitos por Sueli Carneiro ao meu cotidiano escolar. Nas aulas de Geografia que ministro, nos deparamos com uma série de conteúdos que tratam da questão racial de maneira superficial, sobretudo, porque a Geografia é uma ciência construída a partir de escolas de conhecimento europeias e, com absorção destes padrões ocidentais de saber, criou-se um currículo branco-hegemônico. Diante disso, crio ressignificações da abordagem de determinados conteúdos curriculares, através de uma abordagem mais afrocentrada, de acordo com a perspectiva epistemológica proposta por Asante (2009, p. 93),“[…] a afrocentricidade é um tipo de pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos”.
Quando surgem determinadas temáticas sobre o reconhecer-se negro no Brasil, percebo que muitos alunos têm dificuldades em se autodeclarar conforme a classificação de raça/cor e, esse levantamento em sala de aula apresenta uma série de distorções de acordo com os traços fenotípicos observados. Através dessas ponderações, eu os questiono sobre seus autorreconhecimentos e debatemos como se constroem essas classificações a partir das categorias do IBGE. Mesmo após esse debate, alguns alunos visualmente negros, insistem em afirmar: “Professora, eu não sou negro!”. Como se eu estivesse atribuindo a eles alguma característica ruim ou um xingamento. Esses conflitos existenciais nos trazem uma série de possibilidades de discussões dentro do campo da Geografia, mas que ressalto que não estão em voga no currículo vigente.
Refletindo sobre essa resistência em se reconhecer negro, me deparo com algumas falas que procuram se distanciar de características conferidas a pessoas negras, pois no imaginário social há muitos atributos negativos associados a quem tem traços negroides. A cor da pele, o cabelo e as feições de uma pessoa negra podem influenciar a maneira como ela é vista e tratada pela sociedade. Essa situação nos traz muitos atravessamentos que perpassam ao questionamento: como criar identidades positivas em nossos alunos em uma sociedade que projeta sucesso e beleza aos ideais de padrões brancos?
Os alunos negros desde muito cedo percebem a diferença dada a pessoas negras e brancas em nossa sociedade, pois vivemos em um país onde nega-se a existência do racismo, reforçando-se a ideia de que temos uma democracia racial mascarada pela miscigenação. Porém, o que vemos é uma valorização daquilo que se aproxima mais do branco e da cultura europeia. Entendo assim, que alunos negros, em sua maioria, têm uma autoimagem negativa construída por um processo histórico de associação de estereótipos raciais que fomentam o racismo. Por isso, existe silenciamento de alguns negros quanto a sua identificação étnica.
Algumas escolas ainda reproduzem e reforçam práticas discriminatórias, que são extremamente violentas e excludentes para as crianças negras. Essas práticas são carregadas de violência simbólica, que se manifesta por meio de apelidos pejorativos e racistas, camuflados por uma falsa afetividade. Esses apelidos podem prejudicar a vida emocional dos jovens negros.
Dores e sofrimentos, infelizmente, são parte essenciais da compreensão da vivência do que é ser negro, e esses atravessamentos são muitas vezes negligenciados e ridicularizados, porém devem ser incorporados pela escola como elementos definidores das ações humanas. Isso é importante do ponto de vista político, pois envolve as representações sociais como forma de existência, e do ponto de vista social, pois reconhece o papel do fortalecimento da identidade racial como base para transformações (Carneiro, 2005).
Uma sociedade pautada em modelos brancos hegemônicos, acarreta muitos efeitos negativos para os alunos negros, que não se veem e nem se reconhecem na realidade que é retratada. Para acessarmos novas perspectivas, precisamos entender que as narrativas não são neutras, mas sim construções sociais com suas próprias origens e agendas, como sugere Asante (2019), em sua abordagem afrocentrada, onde há espaço para o diálogo de diversas visões de mundo.
Considerações finais
A educação brasileira, como foi construída historicamente, não dá protagonismo aos alunos, muito menos aos que são negros. Para muitos, nesse trajeto histórico, a escola é tida como mera fornecedora de conteúdos, e conteúdos esses que colocam os sujeitos negros em situação de marginalização, subalternação e desmerecimento frente a construção de nosso país. Atualmente, almejamos uma educação que proporcione identificação dos alunos com o conteúdo, e o próprio espaço escolar, que na maioria das vezes não os representa. Por entendermos que a educação é um processo contínuo, dialogado e compartilhado, é necessário posicionarmos nossos alunos como sujeitos de suas próprias histórias e narrativas escolares, ouvindo-os e trocando experiências. A escola talvez seja a única alternativa para a superação da subalternização a que esses alunos estão submetidos.
Para minimizar as questões aqui levantadas, e construir uma sociedade mais igualitária, é essencial que haja formação adequada nas universidades, adoção de práticas, materiais pedagógicos e currículos que estejam comprometidos com a valorização da história e cultura de diversos grupos étnicos, e que não seja somente a hegemônica, bem como a democratização dos saberes, compromisso com a luta contra o racismo e enfretamento a intolerância e a discriminação. Por isso, torna-se relevante romper com pensamentos pautados na visão de mundo eurocêntrica e que sejam abertos diálogos provenientes das perspectivas dos colonizados e oprimidos. Por isso, Cida Bento (2022) afirma que:
Qualificar e manter vivas as vozes pela equidade e diversidade em organizações públicas e privadas da sociedade civil pode colaborar para a construção da democracia em outras questões que envolvem a sociedade, dificultando a instauração de sistemas políticos, econômicos e sociais em que o pensamento único seja a regra (Bento, 2022, p. 61).
Nesse processo de desconstrução, é fundamental apropriar-se das práticas decoloniais, que visam romper com os olhares coloniais e transcender as lentes distorcidas e eurocêntricas que por séculos moldaram a maneira como percebemos e nos relacionamos com o mundo, através de uma revisão crítica das estruturas de poder e das narrativas dominantes que perpetuam a marginalização e a tentativa de invisibilidade de diversos grupos sociais (Bernardino-Costa; Maldonado-Torres; Grosfoguel, 2019). Elas funcionam como mecanismos de rompimento com o eurocentrismo ainda presente em práticas educacionais, que não valorizam diálogos e interações entre os professores e alunos de diferentes marcas identitárias. Indo de encontro às ideias freireanas, hooks (2017) afirma que é importante que se ouça coletivamente em sala de aula, que a diversidade de experiências deve ser explorada, pois através delas cria-se uma consciência comunitária.
E, para que se possa avançar na decolonização do pensamento, ou seja, na expansão do olhar sobre outros caminhos, narrativas e perspectivas que visam desestruturar as epistemologias únicas e universais impostas, construídas pelos colonizadores, a fim de compreender o processo de resistência e a luta da população afrodiaspórica, é fundamental repensar a história a partir de novos referenciais epistemológicos (Bernardino-Costa; Maldonado-Torres; Grosfoguel, 2019). Tendo em vista a emergência em descortinar narrativas voltadas a apenas uma visão de mundo, e a fim de valorizar a contribuição dos povos africanos e afro diaspóricos, dando visibilidade de suas contribuições e saberes.
Repensar formas de combater o epistemicídio (Carneiro, 2005) proporciona o fortalecimento e empoderamento de grupos historicamente silenciados e marginalizados na escola, ajuda no combate à discriminação em todas as suas formas, oportunizando a construção de um ambiente escolar acolhedor e respeitoso para todos, sem distinção. Propomos ressignificar as abordagens em sala de aula a fim de que os alunos possam se reconhecer como sujeitos históricos, capazes de construir narrativas sobre suas trajetórias de vida, suas experiências e suas visões de mundo, desafiando estereótipos e visões hegemônicas.
Consideramos, que é preciso possibilitar a transformação do educando de mero receptor a participante ativo na metodologia de construção dos referenciais positivos da população negra. Assim, ele poderá desconstruir os estereótipos dos quais os negros são alvos e, que os fazem por vezes negarem a si mesmo e suas origens. A ideia de partilhar as experiências pelas quais o aluno tenha vivido é um bom exercício para o aluno exercitar sua autonomia, pois ele tende a aprender de forma mais significativa quando saberes adquiridos se relacionam com suas vivências (hooks, 2017).
_
[1] Os dados do Censo Demográfico 2022 mostram que a população brasileira está ficando mais negra, com a população preta e parda crescendo e a população branca diminuindo em números absolutos, em comparação com o Censo 2010 (Sá; Santos; Silva, 2024, p. 11).
[2] O conceito de hegemonia, difundido por Gramsci, tem como aspecto fundamental a construção de um bloco histórico que permite à classe dominante a sustentação do controle intelectual e a influência sobre as demais camadas da sociedade. Essa estratégia complexa e multifacetada se manifesta de diversas maneiras, moldando a percepção de mundo e os valores dos indivíduos, consolidando o poder da classe dominante (Julio, 2021).
[3] Para nós, porém, o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da autoestima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo (Carneiro, 2005, p. 97).
[4], Para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro- Brasileira”, e dá outras providências.

Daiane da Silva Gonzaga
Professora da rede municipal do Rio de Janeiro desde 2012, é formada em geografia pela UERJ, com pós-graduação lato sensu em Gestão Ambiental e Saberes e Práticas para Educação Básica, ambas pela UFRJ. Atualmente, cursa mestrado em Relações Étnico-raciais pelo CEFET/RJ, pesquisa práticas curriculares afrocentradas para o ensino de geografia. Atuou como bolsista no Programa Anual de Bolsas da Prefeitura no ano de 2023-2024.Atualmente está lotada na E/CRE(03.13.036) Escola Municipal Rio Grande do Sul.
Referências
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
ASANTE, M. K. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, E. L. (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009.
BENTO, Cida. Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução: Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES; Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 9 jul. 2024.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico racial e Educação no contexto brasileiro: algumas reflexões. In: GOMES, Nilma Lino (org.). Um olhar além das fronteiras: educação e relações raciais. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 97- 109.
HOOKS, Bell. Ensinando a Transgredir: educação como prática da liberdade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação 2023. Rio de Janeiro, 2023.
IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2023. Rio de Janeiro, 2023.
JULIO, Michele Távora. Pedagogia da branquitude: o branco-discurso hegemônico nos artefatos midiáticos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação, Universidade da Paraíba. João Pessoa, p.199, 2021.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
SÁ, Edvaldo Batista de; SANTOS; Yuri Luciano; SILVA, Tatiana Dias. Edição Censo Demográfico 2022. Ministério da Igualdade Racial. (Informe MIR – Monitoramento e avaliação, n. 3), Brasília: DF, fev. 2024. 13 p. Disponível em: https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/composicao/secretaria-de-gestao-do-sistema-nacional-de-promocao-da-igualdade-racial/diretoria-de-avaliacao-monitoramento-e-gestao-da-informacao/informativos/Informe-edicao-censo-demogrfico2022.pdf.