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Um seminário circular

Autora: Luanna Nascimento Santos

Há mais coisas entre o céu e a terra do que um simples seminário valendo nota.

A professora entra em sala e comunica:

– Iremos fazer uma homenagem ao intelectual do bairro que se chama Flávio Lima, baseada nos valores civilizatórios de Azoilda Trindade.

– Azoi … quem? Meu Deus é Dandara, Cida Bento, Abdias e agora teríamos que estudar mais um nome?

Minha turma é muito animada, reclama, mas faz tudo que é solicitado. Às vezes, tenho a sensação que o professor nem quer mais fazer, mas a gente não deixa eles desistirem.

A professora decidiu que a turma iria se dividir em grupos e que o assunto estaria sempre ligado à Azoilda. Nossa primeira dificuldade era saber quem era essa pessoa de nome tão diferente. E o tal Flávio Lima? Intelectual em Cordovil? Só a professora mesmo para achar intelectual em Cordovil.

O meu grupo foi sorteado com a Circularidade e a Religiosidade. Adorei a parte da religiosidade. O grupo da Bruna (a menina mais inteligente da escola) ficou com a cooperação, graças a Deus! Queria muito falar dos meus orixás.

– Professora, posso falar o que eu quiser?

– Claro que não!

– Primeiro vamos ver como encaixar a Cultura Iorubá com o Flávio, depois vemos como será a apresentação.

Sabíamos que viria um monte de links com texto para ler sobre a Azoilda.  Dividimos os assuntos e pedimos para a professora de ciências nos ajudar a fazer, já que os deuses são seres divinos que personificam os elementos da natureza e são muito importantes para o equilíbrio e a continuidade da vida.

Embora no grupo houvesse pessoas de várias religiões: protestantes, católicos, umbandistas e os sem religião, não houve nenhum problema na escolha das danças. Nossas discussões eram pelos lanches que trazíamos para os ensaios.

Algumas semanas se passaram até que chegou o grande dia, estavam todos nervosos, pois não era uma apresentação fácil de se realizar. A princípio, seria só para a escola, até que percebemos várias mães de alunos chegando à escola. E agora? Eles foram fazer reclamações? Não queriam que os filhos nos vissem? Meu olhar buscava a presença da professora, que sumiu. Teríamos que cancelar a apresentação? Meu coração parecia que ia sair pela boca, batia forte que qualquer pessoa poderia ouvi-lo.

E, cadê a professora? Já sei! Foi embora e deixou-nos só. Ou foi proibida de ficar na escola? Meus pensamentos faziam com que meu corpo estremecesse. Depois de tanto ensaio, tanto estudo… Vamos protestar, porque estamos respaldados na lei 10.639/03 (a professora sempre fala dessa lei com essa palavra bonita: respaldado). E as mães dos alunos não foram embora, com certeza a apresentação não aconteceria. Tudo acabado!

De repente, a música começa a tocar e nós nos posicionamos e iniciamos a apresentação. Tudo corria como ensaiamos até que Marina iniciou a apresentação de Nanã. “Sou de Nanã, euá/ euá, euá/ ê Sou de Nanã/ euá, euá, euá”

O som parou. Será que alguém mandou parar? Não. Defeito no som! E então a ancestralidade em nós fez-se presente. Todos começaram a cantar “Sou de Nanã, euá/ euá, euá/ ê Sou de Nanã/ euá, euá, euá…” repetidas vezes como num círculo sem fim. Achei a professora! Ela estava ao lado do som… chorando.

As mães que lá estavam também choravam e cantavam.

Tiramos dez no seminário, mas até agora ouço o som das pessoas cantando.

Luanna Nascimento Santos

14 anos, aluna do 9º ano na E/CRE(04.31.007) Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado. Orientação: Professora Monica Aniceto Barros

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