Eu ainda estou aqui

Autor: Ricardo Jaheem​

Eu ainda estou aqui

Nesta cadeira sentado

Esperando a minha aprovação

Estou aqui com o lápis mordido

Pernas tremendo e com a vista doída 

Aguardando pela minha alfabetização

 

Em casa, eu sei ler tudo

O remédio de meus avós e

As histórias para meus irmãos

Na verdade, eu sou o único que sei ler.

Mamãe abandonou,

Pretende voltar a estudar.

Ela diz que no primário parou!

Meu pai vive viajando o país,

Casas a construir

Pessoas que precisam morar, 

Nunca teve tempo para estudar

 

Meu nome poderia ser

Gabriel, Kevin, João,

Gustavo, Daniel, Enzo…

Mas me chamo Ezequiel

 

Na sala de aula o professor não me entende

Fica falando muito em repetição

Queria que ele me desse para ler 

Uma caixa de remédio, 

Aquele que minha avó toma.

Ou então aquele livro amassado

Que é igual ao que leio para meus irmãos.

 

Ele chega com uma palavra engraçada,

Uma não várias e com a boca faz vários sons.

Nessa hora eu viajo logo,

Penso no ritmo do funk

E começo a lembrar que mais tarde 

Vai ter batalha de passinho no parque

E quero chegar primeiro porque sou pequeno

E todo mundo que é maior 

Quer passar na minha frente

Muita vacilação

 

Esqueço do professor, perdão!

Mas nem chego a falar…

Melhor ficar quieto não quero chatear.

Ele fica decepcionado

Querendo saber o que está errado

Se é com ele ou comigo.

Mas professor você não é o culpado.

 

Quem dera ele soubesse

Que nosso problema

Era a comunicação

Disso eu aprendi no jornal

Vendo na televisão

Que as pessoas precisam se falar

Ouvir um ao outro e entender a visão.

 

O material colorido

Aquele da prefeitura fica de lado

Ele faz até com meus colegas

Mas comigo é só umas folhinhas

Queria fazer com todo mundo,

Como todo mundo.

 

Mesmo que eu não saiba

Queria fazer parte

Deixar de ficar na mesa dele grudado

Ou na hora da aula de artes,

Poder ir desenhar…

Junto com todo mundo

Ao invés de ficar aqui

Juntando letras até me cansar.

 

Bem professores

Essas palavras não são lição,

Apenas lamentos de um menino

Que nunca teve a força de chegar e falar

Para ajudar meu querido professor

A construir a minha educação

Ele vai entender meu alfabetizar, contar e aprender

Mas não queria perder tanto tempo

Queria me divertir na sala

Bailar, como criança ser entendido

Como estudante me entender.